sábado, 28 de junho de 2008

Dogville









Nas Lojas Americanas daqui, costuma ter, lá no fundo do estabelecimento, uma piscina dessas de 1000 litros recheada de filmes em DVD. A maioria dos títulos ali encontrados é de filmes de ação que vão do ruim ao péssimo. Entre montes e montes de coisas estreladas por Steven Segal, Van Damme , Marc Dacascos e afins é possível encontrar, com um pouco de paciência e boa vontade, algumas pérolas. Já achei ali preciosidades como Cães de Aluguel e Trainspotting. Sábado passado, lá estava eu procurando por coisas boas perdidas ali no meio, e eis que encontro Dogville. Um filme obscuro que eu tive a oportunidade de assistir alguns anos atrás.

Esta produção, escrita e dirigida pelo dinamarquês Lars Von Trier, se mostra revolucionária tanto no aspecto técnico quanto no artístico. Ao contrário das grandes produções recheadas de efeitos especiais primorosos, cenografia incrivelmente detalhada e outros recursos que acabam, muitas vezes, camuflando uma trama pobre e interpretações fracas, temos aqui um total abandono de tais elementos. O diretor, mostra que é possível fazer um bom filme sem orçamentos astronômicos. Dogville é corajoso porque abdica quase totalmente de elementos cenográficos. A vila que serve de pano de fundo pro filme e dá nome ao mesmo, é toda desenhada no chão preto de um estúdio, como se fossem gigantescas plantas de arquitetura. Isso demonstra uma enorme confiança no excelente roteiro, que por si só, prende o espectador do inicio ao fim dispensando qualquer cenário. Tudo depende apenas da narrativa primorosa e do elenco pra lá de competente. O resto é resto.

Uma observação mais atenta mostra certa semelhança com a estrutura narrativa de um romance literário. O roteiro é dividido em nove capítulos, um prólogo e um epílogo, como em muitos livros. O narrador, em off, nos remete à leitura de um romance em que o “narrador onipresente”, que observa tudo de fora e enxerga o íntimo dos personagens expondo seus pecados e segredos.

Os mais atentos poderão traçar um paralelo com a obra de Machado de Assis. Sabe-se que esse autor retrata em suas obras o ser humano em detalhes, dissecando sua alma e revelando seus podres. A visão pessimista de Machado em relação à humanidade, de certa forma, projeta sua sombra em Dogville: uma humanidade chantagista, pervertida, egoísta e corrupta aparece no filme, tal como nos livros do consagrado autor brasileiro. Obviamente o célebre escritor não serviu de inspiração para a o filme, tão pouco o diretor Lars Von Trier sequer tenha ouvido falar das clássicas obras naturalistas de nossa literatura. Porém, a visão pessimista em relação ao homem está presente em ambas.

O filme se passa nos Estados Unidos, nos anos 30. Conta a história de uma cidadezinha , situada em um ponto quase inacessível das Montanhas Rochosas, que acolhe relutantemente Grace, uma bela fugitiva, vivida por Nicole Kidman. O povo do lugarejo aceita, esconder a moça dos mafiosos e da polícia em troca de pequenos serviços. Porém, quando às autoridades pregam nas casas de Dogville um cartaz de “procura-se”, as pessoas do lugarejo começam a mostrar seus lados cruéis, exigindo mais trabalho da forasteira por mentirem pra policia. Grace (Kidman) se torna então uma escrava da cidade, passando por todos os tipos de humilhações possíveis, chegando ao ponto, de ser violentada por todos os homens da aldeia e com isso, virando alvo da ira das mulheres locais.

No clímax, o roteiro mostra seu brilhantismo ao aludir Grace com Cristo e os gangsters com Deus. A fugitiva dá a entender que os moradores da cidadela merecem serem perdoados, por não serem responsáveis por suas maldades. Algo parecido com o que Cristo disse a Deus na cruz: “Pai, perdoai-vos, pois não sabem o que fazem”. O trama, porém, conclui de uma maneira não tão clemente como na Bíblia. A protagonista chega à conclusão que aquelas pessoas são podres, e que o mundo seria um lugar melhor se a cidade fosse riscada do mapa.

Dogville prova que apenas um bom roteiro e um bom elenco são suficientes, e que mesmo com baixo orçamento, é possível fazer uma obra com qualidade.

Altamente recomendável.

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